ORAÇÃO DE UM ATEU
Dê-me, deus, a lucidez da total desesperança
Dê-me a triste doce vingança de ter ao tempo para matar
Dê-me, cristo, voto e visto para um gradativo suicídio
Dê-me vício, vaga no hospício e o precipício azul do mar
Dê-me, pai, o teu aval, dê-me o tal, ó pai, teu filho
Dê-me exílio, dê-me um gatilho, o vinho, a cruz, o cravo e o pão
Dê-me o nome do meu erro, dê-me gelo e outra dose
Dê, que adoce-me o desespero, a pá, o enterro e, pai, perdão
A vida vem viva do vão da vagina
E vai-se vencida do tempo vilão
A vida é o esperma que invade a barriga
E aderna em fadiga à vala no chão
Dê-me, mãe, a tua mão, dê, mulher, a mim teu mundo
Dê-me o fruto, a fenda e o fundo, dê-me o peito, ó mãe, o grão
A semente do teu ventre dê-me quente, o sangue à lida
Dê-me a cor da flor ferida, dê-me, amiga, o teu botão
Piedade tende, pai, a um ateu à tôa um troco
Este cálice afastai de um devoto a são ninguém
Traz trindade a quem te trai, faz do nada em mim um pouco
Faz-me um corpo que aqui cai, faz-me pó, meu pai, amém
Gugu Keller
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