sábado, 26 de setembro de 2009

Tudo Bem

Minha amiga...
Está tudo bem. Estou apenas morrendo, sabe? É. E já era esperado, entende? Afinal, como todos, vim apenas de passagem, não é mesmo? Sim. Tudo calmo, tudo certo, tudo azul. É só o fim que desde o início era previsto. É só a mesma velha falta de sentido. E já logo dos meus cinco ou seis sentidos. É só isso tudo, amiga. Isso nada. É isso só.
E, olha, fique calma, viu? Estou apenas me afogando, indo, indo... É bom, sabe? Afinal, de que me serve esse ar aí imundo? De quê? Respirar ainda isso? Não. E aqui debaixo d´água até que é bom. Ao menos, menos mau. É. Turvo.
Estou só perdendo o passo, a pressa, as pernas... O compasso... É, parei. Mas não, não se preocupe. Eu nem ia mesmo a parte alguma. É. Sim, não, nunca fui. Era tudo meio que em círculos, você sabe... Círculos. Círculos, um circo e eu palhaço. E, sim, parado agora está melhor.
Estou indo então, viu? É. É só a terra, a areia me cobrindo. Muito, muito mais aconchegante, muito mesmo! Cansei de lutar, sabe? A gente luta, luta e luta, luta e luta. E o adversário é sempre a gente mesmo. Ou seja, loucura, sempre que ganha, também perde. Mas quase sempre empata. É. E procura, e procura, e procura, e não acha nada. Ou, se acha, quando acha, nem era nada. Não, nada. É. Nem sequer valia a procura. Exaustão.
Minha guria...
É bom ainda ter a tua mão. É. Mas não, por favor, não me segure. É, eu vou, preciso mesmo ir. Mesmo parado, acho que sempre estive indo. E, agora, vendo mesmo não haver onde chegar, cheguei. O quê? Isto? Isto aqui não é nada, viu? É. É só uma faca fincada no meu peito. É, do lado esquerdo, como você vê. Mas não, não é nada mesmo. O sangue vai. O sangue foi. E já nem é tão ruim sem ter mais sangue. A vida toda eu sangrei. Ah, amiga! Eu tenho, sempre tive tanto sangue. Tanto o que sangrar. Não fica desse jeito triste assim. Não. Eu cumpri já o meu nada, sim, cumpri. Nada. O meu nada de nada do nada ao nada. O meu tudo. Meu tudo nada repleto de vazio. O meu vazio tão lotado de ausência. "Vrum"! É. Volatizou-se ao mesmo tempo em que explodiu. Implodiu. Lá vou! Vou indo! Ah, amiga! Diz-me só que fica bem. Fica, sim? Meu deus ateu me haverá de perdoar... Compreender... Proteger-me para sempre do que eu quero...!
Prenda minha...
Sim, é, tudo bem! Não dói deixar de ser se não se foi. Não. E fique calma mesmo, viu? Sim! Por favor, eu te peço, por favor! É só o vento me levando, virei pó. "Pof"! Desmanchando, desfazendo, desprendendo... Queda, queda livre, não há chão. Nunca houve, eu nunca soube, não pisei. É, não, não há o chão. Há os vãos. Os vãos por onde espio entre as grades. Por onde sempre tanto eu tudo espiei. É, espiei. Espiar, expiar, espiar, expiar, espiar, expiar... Espio-te. Expio-me. Ah, minha doce guria! É, está mesmo tudo bem. É só o fogo me queimando, você sabe... É. O meu corpo. Corpo? Logo já não serei corpo, nunca fui. Fui fel, teu fã e fui frio. É, frio. Brasa, fumaça, fuligem, frio... Sangrei tudo. Já vou, amiga. É, vou. Termina aqui o que nunca começou. Começa aqui o que jamais vai terminar. Nada. Tempo. Nada, tudo, tempo, nada. Te vejo nunca mais daqui a pouco. E, olha... Esqueça para sempre de que eu te amo. Esqueça. Para sempre nunca se lembre, tá? Não tenha saudade do que nunca houve. Não, não tenha! E está mesmo tudo bem! Estou apenas, como disse, aqui morrendo. Como todos, como tudo, como um dia também ti. Mas como é bom... Como é bom, amiga, ainda um pouco olhar dentro dos teus olhos...

Gugu Keller

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