Ele aproveitou a fria e cinzenta tarde de domingo para ir ao cemitério, localizado num dos limites da cidade que há dentro do seu pensamento, já longe do coração, o bairro mais central. Cruzou o portão de entrada e pôs-se a caminhar pelas floridas e arborizadas alamedas. Sons, só o do vento, o de um ou outro pássaro aqui ou ali, além do dos seus próprios passos.
Ei-lo diante do túmulo. Não chegou a ajoelhar-se ou fazer alguma oração. Não. Limitou-se a ficar ali olhando e refletindo...
Divagou no fato de que, como se via, as seis gavetas já estavam todas ocupadas... Na primeira, ou naquela com que se estreiou o jazigo, a mais baixa à direita, estava, morta já há 25 anos, quando ele tinha 19, aquela sua velha alegria, sua velha empolgação, que por muito tempo permitiu-lhe saber o que fazer de cada minuto de sua vida, livrando-o, então, assim, naqueles bons tempos, do absurdo do tédio que hoje tanto o sufoca. Na segunda, a mais baixa do lado esquerdo, jazia a sua também velha idéia de que a felicidade existia, morta e sepultada seis anos depois, quando ele ia por seus 25. Na terceira, a do meio da direita, falecida havia 14 anos, jazia sua esperança de econtrar alguém que soubesse amar como ele amava, ou como ao menos achava que amava, e ele não pôde deixar de se lembrar de como chovia na tarde daquele doloroso sepultamento... Na quarta gaveta, a do meio do lado esquerdo, lá estava, morta havia pouco mais de dez anos, a sua esperança no ser humano, que também atendia pelo nome de esperança em que a verdade pudesse enfim vencer a hipocrisia, uma morte, aliás, tão sofrida quanto estúpida...! Na penúltima gaveta, a mais alta da direita, descansava, tendo perecido pouco depois da finada anterior, a sua esperança de um mundo melhor, esta uma morte que ele assimilou com um pouco mais de conformismo, pois, quando aconteceu, parecia mesmo, havia já algum tempo, próxima e inevitável... E, enfim, na última gaveta, lá estava, desde o ano anterior, sepultada como as outras para sempre naquele túmulo, a sua razão para viver, para continuar tentando, para ainda insistir no ato já definitivamente insano de respirar...
Ele quase chorou. Mas não. Meio que já havia se acostumado a sofrer sem lágrimas. Ficou apenas afinal pensando, estando como estava o túmulo repleto, sobre onde haveriam de ser sepultados seu corpo e sua angústia, que tudo levava a crer que, não dali a muito, morreriam juntos, na chamada comoriência. Talvez, atinou, morrendo ambos mesmo juntos, corpo e angústia possam juntos ocupar uma só gaveta, o que, naquele seu jazigo familiar, demandaria afinal apenas uma exumação... Mas não. Talvez não faça sentido. Afinal, naquele mesmo cemitério há tantos túmulos ainda livres, tantas gavetas a esperar de braços abertos... E, ademais, naquela sua gigantesca cidade, a do seu pensamento, há ainda tantos outros tão vastos cemitérios...
Gugu Keller
Ei-lo diante do túmulo. Não chegou a ajoelhar-se ou fazer alguma oração. Não. Limitou-se a ficar ali olhando e refletindo...
Divagou no fato de que, como se via, as seis gavetas já estavam todas ocupadas... Na primeira, ou naquela com que se estreiou o jazigo, a mais baixa à direita, estava, morta já há 25 anos, quando ele tinha 19, aquela sua velha alegria, sua velha empolgação, que por muito tempo permitiu-lhe saber o que fazer de cada minuto de sua vida, livrando-o, então, assim, naqueles bons tempos, do absurdo do tédio que hoje tanto o sufoca. Na segunda, a mais baixa do lado esquerdo, jazia a sua também velha idéia de que a felicidade existia, morta e sepultada seis anos depois, quando ele ia por seus 25. Na terceira, a do meio da direita, falecida havia 14 anos, jazia sua esperança de econtrar alguém que soubesse amar como ele amava, ou como ao menos achava que amava, e ele não pôde deixar de se lembrar de como chovia na tarde daquele doloroso sepultamento... Na quarta gaveta, a do meio do lado esquerdo, lá estava, morta havia pouco mais de dez anos, a sua esperança no ser humano, que também atendia pelo nome de esperança em que a verdade pudesse enfim vencer a hipocrisia, uma morte, aliás, tão sofrida quanto estúpida...! Na penúltima gaveta, a mais alta da direita, descansava, tendo perecido pouco depois da finada anterior, a sua esperança de um mundo melhor, esta uma morte que ele assimilou com um pouco mais de conformismo, pois, quando aconteceu, parecia mesmo, havia já algum tempo, próxima e inevitável... E, enfim, na última gaveta, lá estava, desde o ano anterior, sepultada como as outras para sempre naquele túmulo, a sua razão para viver, para continuar tentando, para ainda insistir no ato já definitivamente insano de respirar...
Ele quase chorou. Mas não. Meio que já havia se acostumado a sofrer sem lágrimas. Ficou apenas afinal pensando, estando como estava o túmulo repleto, sobre onde haveriam de ser sepultados seu corpo e sua angústia, que tudo levava a crer que, não dali a muito, morreriam juntos, na chamada comoriência. Talvez, atinou, morrendo ambos mesmo juntos, corpo e angústia possam juntos ocupar uma só gaveta, o que, naquele seu jazigo familiar, demandaria afinal apenas uma exumação... Mas não. Talvez não faça sentido. Afinal, naquele mesmo cemitério há tantos túmulos ainda livres, tantas gavetas a esperar de braços abertos... E, ademais, naquela sua gigantesca cidade, a do seu pensamento, há ainda tantos outros tão vastos cemitérios...
Gugu Keller
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