domingo, 13 de junho de 2010

Ironias do Direito Penal

Todos acompanhamos com aflição o desaparecimento da advogada guarulhense Mércia Nakashima, bem como a localização de seu corpo, o que veio a confirmar seu assassinato, quase três semanas depois de ela haver sumido. Como se sabe, para a polícia o principal suspeito é seu ex-namorado. Pois bem... Na útima sexta-feira, também com fartura nos noticiários, já que telejornais que adoram explorar ao máximo esse tipo de tragédia infelizmente não nos faltam, vimos, logo após a localização do cadáver, a desesperada reação da mãe da advogada no portão da sua casa, quando, aos berros, contida por parentes, ela gritava, referindo-se ao tal ex-namorado, e também ex-sócio, da vítima... "Foi ele! Foi ele quem matou a minha filha!" Uma outra senhora que a amparava, por seu turno, gritou ainda para as câmeras e microfones apontados para a chocante cena... "Ele é um bandido! E aquele advogado dele é outro bandido!"
Estamos então, meus amigos, observo, diante de uma situação extremamente irônica do ponto de vista do direito penal... Vamos que jamais nada se prove contra o tal suspeito e o que teremos? Teremos um flagrante crime de calúnia praticado pela mãe da advogada contra ele! Afinal, ela lhe atribuiu um ato criminoso diante de todo o país! Ou eu estou errado, meus colegas da área jurídica? Como ficará se ele por isso decidir processá-la? Nos termos exatos da lei, configura-se calúnia, sim! É simplesmente indiscutível! Teria que ser condenada e civilmente indenizá-lo! Já pensaram na ironia da coisa?
Pior ainda é a situação da outra senhora, a que chamou de bandido não apenas o suspeito mas também o seu advogado! Sim, pois, no caso dela, mesmo que seja provado o envolvimento do ex-namorado, também ao seu defensor ela insultou, cometendo, portanto, o crime de injúria! Ou, novamente pergunto, eu estou errado?
Poderá o leigo dizer... "Ah! Mas não se pode levar a ferro e fogo o que elas, sobretudo a mãe, disseram num momento de extremo stress emocional como aquele!" Mas acontece, meus amigos, digo-o para quem não o sabe, que o próprio código penal já prevê taxativamente que a emoção não pode ser motivo de descaracterização de um crime. Trata-se de um princípio básico e não é necessária muita reflexão para se concluir que, de fato, tem que ser assim! É claro que pode servir de atenuante, mas, definitivamente, não descaracteriza a conduta criminosa. Quantos homicídos, ou crimes de lesão corporal, bem sabemos, apenas para exemplificar, não são cometidos quando o agente está emocionalmente abalado? Como seria se isso fosse pretexto para que não se configuasse o delito? Certamente seria o caos!
Assim, eis a ironia... O que o amigo que me lê agora faria se o suspeito decidir processar as duas por esses crimes e fosse você o juiz que as iria julgar? Condenaria a ambas, dada a clareza dos fatos? Ou, diante de uma situação como esta as absolveria, o que, até o digo, claramente parece o mais justo, mesmo que num frontal desrespeito ao que determina a lei?
Complicado, não? E irônico! Muito irônico!
Que fique claro aqui que, como todos, fiquei muito chocado com esse terrível crime que tirou a vida de uma jovem tão linda, e que estou solidário a toda a sua família, a quem, na oportunidade, dedico os meus respeitos! O único objetivo deste post é o de trazer à reflexão de todos, sobretudo dos que estudam direito, como a lei muitas vezes pode criar situações ingratas para quem a manuseia.

Gugu Keller

Um comentário:

  1. Bom, tá aí a razão para eu não querer estudar Direito...
    Mas na minha opinião, por mais que você esteja certo, Gugu, eu levaria em conta que a mãe da advogada estava abalada emocionalmente.
    Imagine como deve ser perder um filho, ainda mais nessas condições.

    Abraço!

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