domingo, 25 de outubro de 2009

Minhas músicas - "Desabafo"

Às vezes fico pensando... O ato de desabafar, sempre tão clara e desesperadamente necessário, é, de um ponto de vista puramente racional, tão desprovido de sentido... Sim, pois, afinal, de que nos serve, sempre a pensá-lo racionalmente apenas, que outrem tome conhecimento de nossa dor? Em que isso a diminui? É que, tendo a assim crer, precisamos nos apegar à consciente ilusão de que não somos enfim tão sós. Mas definitivamente somos. E esta nossa gigantesca solidão vem do decerto inequívoco fato de que cada um de nós está irremediavelmente fadado a ser o único a sentir e pensar em seu próprio universo psíquico. Ou não é assim? De todo modo, desesperados, desabafemos...

DESABAFO

Eu quero dar tiros no escuro
Pois eu não acredito em acaso
Dar de dor gritos arte transmuro
De um preso sem prazo
Desejo de aparte e ar puro

Quero juntar e colar meus pedaços
Com fé e com esparadrapo
E afinal ver passar o passado
Sem medo eu a nado
Meus dedos aos teus atrelados

Eu quero poesia
Prazer, prosa e prozac
Eu quero pele, um par de peitos, pouso e pão

Eu quero dar murros no espelho
Pois eu não assimilo o destino
Jorrar fulo o meu sangue vermelho
Meu ulo canino
Meu pino, nariz no joelho

Quero beber toda a água da chuva
E toda a que dorme nos lagos
E ver a vida já não treva turva
Mas a erva e o trago
Na trégua em teus braços e curvas

Eu quero uma porta
Um porto, a ponte, um parto
Eu quero o preço da passagem, plus paixão

Eu quero dar giros no espaço
Pois eu não admito limites
E segurar os vampiros no laço
Entrar sem convite
Nos riscos no próximo passo

Quero estar todo desamarrado
Desamordaçado ao léu
Eu quero ser eu ao contrário
E, desnudo e sem céu
Ter-me todo e pra tudo ao teu lado

Eu quero uma prova
A pedra, o pó, a picada
Eu quero prece, um passe, pausa, pulso e pus

Pré pacto pá e palavra, apraz-me cada
Por paz pós pés no nada, a espada e a cruz

Gugu Keller

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